A Ribeira de Santarém
amanheceu ao som dos 10 000 Russos. O sol já tinha nascido e ainda se
sentia o burburinho daqueles que regressavam às tendas. A manhã estava
agradável e algumas pessoas aproveitavam o areal perto da zona onde
acampavam. Sem grandes confusões ou barulho, e sobretudo com muito menos
vento o dia parecer sorrir-nos muito mais que no dia anterior.
A meio da tarde já novas
caras se mostravam pelas imediações do recinto do Reverence na
expectativa de mais uma maratona de concertos noite dentro.
A primeira banda que encontrámos foram os Nonn, uma das mais recentes adições da Fuzz Club,
e que lançaram o seu primeiro disco em Maio deste ano. A linha em que
se movem é sobejamente familiar de todos e durante cerca de 40 minutos
de qualidade entregaram-se a um som vagamente negro mas confortavelmente
familiar e conseguiram entusiasmar-nos sem dificuldade.
Logo de seguida, e quase sem qualquer pausa, no outro palco os Royal Bermuda,
que são um duo de guitarras, com uma mística que teria funcionado
igualmente bem se tivessem tocado no meio do público. Era um daqueles
concertos óptimo para relaxar e nos levar à abstração.
Voltámos ao palco principal para ver os suecos Janitors. Quando os Janitors entraram em palco já se fazia sentir algum vento, apesar de ainda faltarem algumas horas para o final do dia. Mas
os Janitors trazem um som poderoso o suficiente para nos fazer esquecer
que a noite estava a chegar e entregam-se sem medos e trouxeram-nos
Trojan Goat ou Coming Down. Um som pujante, cheio de corpo e com um
ritmo quase contagiante e impossível de contornar. Com uma performance
pesada e negra mas ao mesmo tempo capaz de arrancar ritmo a quase todos.
Continuamos num jogo de ping pong estranho, mas numa dinâmica já mais mecânica e leve, pois hoje
a sensação de perda que se tinha apoderado de grande parte dos que
acompanham o Reverence desde o inicio havia-se dissipado um pouco.
Provavelmente porque entre a noite de hoje e outras noites do Reverence
existem mais semelhanças que na noite anterior, e esse poderá ser um dos
motivos para esse ambiente mais leve, mas nem assim se registou uma
adesão substancial, ou sequer superior à da noite anterior.
Os Underground Youth
trouxeram a sua negritude romântica que assentou que nem uma luva neste
cenário que mais parece o de um festival meio apocalíptico e embalaram,
embrulhado nesse post-punk industrial carregado de influências de bandas obscuras dos anos 80, toda uma atmosfera levando a pedir um encore que teria sido bastante merecido.
Agora de volta ao palco secundário íamos ter Asimov & The Hidden Circus.
O vento que já se fazia sentir trouxe consigo alguma dificuldade, ainda
para mais num palco que não é coberto e que comporta neste momento 5
músicos. Há 4 anos atrás foram uma das bandas que surpreendeu com uma
performance crua e cheia de garra, quando ainda eram um duo de guitarra e
bateria. Agora com a recente adição do baixista Rodrigo Vaz, e aqui no
Reverence com a colaboração com Pedro Madeira na segunda guitarra e
Joana Guerra no violoncelo, pudemos assistir a um crescimento e a um
envolvimento de toda a dinâmica enquanto banda, dando uma nova roupagem
muito mais rica e e surpreendente a todo o conjunto e construindo todo
um concerto envolvente e rico em sons, distorções e melodias de um
psicadelismo maduro e fascinante.
Outra das surpresas, mas que na verdade não o é, foi a prestação dos Siena Root.
Num momento em que já começámos a sentir o desconforto da noite os
Siena Root conseguiram prolongar um pouco mais o calor do dia e deram um
excelente concerto cheio de garra e rock n roll, com a voz de Sanya, a
estrear-se em palco e a banda a sentir uma alegria genuína que contagiou
por completo o publico que no final aplaudiu efusivamente e pediu mais.
Já noite cerrada temos os Träd Gräs Och Stenar,
que carregam consigo uma história já longa, remontam aos anos 60 e
continuaram ao longo das décadas seguintes a construir. Decerto ao longo
de todos estes anos tocaram em palco improvisados e com muito menos
condições que este onde agora se encontravam, mas a verdade é que isso
tudo também deve ter acontecido há muito tempo. E novamente voltámos a
sofrer as dificuldades nos testes de som com a banda a demorar, mas a
fazer valer a pena a espera, e fazendo-nos navegar na sua sonoridade
quase onírica durante cerca de uma hora. Sem quaisquer deslizes ou
enganos, estes músicos são uns verdadeiros senhores do progressivo,
mestres na arte do improviso e que nos fizeram sentir a música de olhos
fechados como tantas vezes nos anos anteriores, sem recurso a pirotecnia
ou a imagens ou projecções, munidos apenas de músicas boas recheadas de
boas sensações. Foi com o coração cheio que abandonámos o palco depois
se ter pedido mais e mais.
Continuando neste jogo, tivemos de seguida os Cows Caos
no palco secundário com o seu garage surf contagioso e dançante,
personificado na figura de Rute Ellis que percorre todo o palco com a
sua performance e mantém o público desperto, atento e até mesmo
divertido.
Os Gang Of Four demoraram bastante tempo a acertar tudo
e iniciar o concerto, que iniciam de forma um tanto ou quanto
atabalhoada. Esta nova encarnação dos Gang Of Four, de cuja formação
original apenas resta o guitarrista Andy Gill, tem os seus prós e os
seus contras. A secção rítmica tem uma qualidade e uma entrega completa,
e segura o resto. Segura um vocalista um pouco perdido e um guitarrista
que não perdeu ainda toda a sua chama mas que já não consegue
acompanhar de forma natural a bateria e o baixo. A energia do jovem
vocalista contrasta com a impossibilidade de Andy o acompanhar, quer
vocalmente, quer pelas peripécias em palco. Larga o microfone
sistematicamente e por isso temos técnicos a entrar e a sair de palco a
todo o instante. O público movimenta-se e abana-se porque a qualidade
das composições continua lá, a transposição para o palco é que não traz
de facto a qualidade que se esperaria, apesar de alguns elementos
cénicos serem cativantes, as quebras de ritmo entre e durante músicas
levam a melhor sobre a banda.
Os portugueses Pás de Problème proporcionaram mais um
interlúdio. Tal como anteriormente os Cows Caos haviam feito, porque na
verdade tanto uma banda como a outra fogem quase completamente ao
restante conjunto de bandas, numa dinâmica engraçada e animada para
espevitar o público, que demonstrou curiosidade e se manteve boa parte
do concerto interessado.
Mas grande do público que se deslocou até Santarém veio para ver os Mono,
uma banda japonesa com uma carreira já bem consolidada e que já visitou
Portugal várias vezes. É verdade que demoraram perto de 40 minutos até
obter as condições desejadas para entrar em palco mas que ofereceram
provavelmente o concerto com melhor som do festival, com uma intensidade
que quase era palpável, mantiveram o público no limite dos sentidos a
interiorizar toda a riqueza das suas composições durante cerca de 80
minutos, que para muitos não foram suficientes.
Depois da pedrada emocional que foi o concerto dos Mono, os Is Bliss
pouco mais conseguiram que dissipar a emoção do público, que se
mantinha em níveis bastante elevados a lutar contra a temperatura e o
vento que se faziam sentir. Não é toda a gente que se mantém 12 horas de
concerto, e para que isso aconteça há que manter um certo ritmo.
Os suecos Hills
demoraram bastante tempo a conseguir produzir o som que pretendiam e o
concerto começou sem que o tenham alcançado. Começaram de forma meio
tímida, a dialogar entre si, como se tentassem decidir o que fazer de
seguida, de tal forma que nem se percebeu bem o momento real entre o fim
dos testes de som e o inicio do concerto. Passaram por algumas das
musicas do primeiro disco como Rise Again ou Master Sleeps, músicas com
um grau de profundidade que não se conseguiu sentir pois o som das
várias guitarras parecia cruzado, salvando-se a coerência do conjunto
através da bateria e do baixo, apesar da bateria em certos momentos
perder o fulgor necessário. Continuaram a dialogar entre si entre cada
música, provocando perdas de ritmo e mesmo de interesse, imperdoáveis
quando o relógio já marcava mais que as 03.00 da madrugada. Uma banda
sui generis da qual se esperava um concerto no mínimo cheio e possante,
mas que no fundo vieram apenas fazer mais um concerto. Podemos perceber
que a qualidade está lá mas a banda apesar de muito divertida em palco
não conseguiu passar esse à vontade, ou bem estar que parecia estar a
sentir para o público.
As forças faltaram-nos para ver as quatro bandas que às 04h.00 ainda não haviam actuado; Löbo, Esben and The Witch, Luis Simões e Dr. Space e, a fechar o festival, os Throw Down Bones.
No fim de tudo, continuamos a
não perceber realmente o que se passou com o Reverence, mas poderá ser
apenas um conjunto de situações desfavoráveis. O anúncio tardio, no
final de Maio, a adição de bandas que o publico dos anos anteriores não
identifica com a linha do Reverence, a alteração de localização…
Mas tudo isso teria sido
ultrapassado se as bandas pudessem ter proporcionado espectáculos com
condições ao invés de proporcionar momentos de quase desespero em testes
de som absurdos e mal coordenados, que originaram quebras de ritmo
impossíveis de recuperar quando ainda restavam quase dez bandas para
ver.
Um dos grandes revés que
tiveram foi sem duvida a condição meteorológica daquele fim de semana, e
isso são pormenores que devem de ser tidos em conta, mas que deveriam
de ter sido acautelados.
Aguardamos dias melhores e
sobretudo que deste acontecimento sejam retiradas quer a aprendizagem
quer a capacidade de assumir que o Reverence é, ou foi um conceito
querido e sentido no âmago como uma pedrada no charco dos festivais
quando surgiu em 2014. Queremos esse sentimento de plenitude e alma
cheia de volta, queremos o Reverence.
Esperamos por noticias, por
boas noticias, por uma reviravolta, por um regresso às origens.
Esperamos pelo Reverence, o tempo que for preciso. Sim, o tempo que for
preciso, porque talvez um ano não baste. Até breve Reverence.
Texto - Isabel Maria
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