Songs To Nowhere#109#Trendkill Radio#6.09.2021

Ao vivo em 19/Julho/17 TAU & SALLIM NO MUSICBOX, A BELA E OS XAMÃS!

Na noite de quarta feira passada o Musicbox proporcionou a oportunidade de rever em Lisboa o duo TAU, que passou pela capital a caminho do festival Woodrock e do  Milhões de Festa onde iriam actuar durante o fim de semana.
Géneros ou rótulos à parte, os TAU são na verdade uma experiência, que existindo essa possibilidade deverá ser vivida ao vivo e a cores e se possível descalço, pois a espiritualidade que emanam transcende em largos traços a audição dos discos e exalta a uma ligação com os elementos que se concretiza totalmente é na audição directa dos seus criadores.

O espectáculo começou com Sallim, pouco passava da hora estabelecida pela sala, no entanto muito poucos assistiram ao concerto de Sallim que com a sua voz limpída e enamorada nos levou de volta para aqueles sentimentos próprios do fim da infância. Viajámos ao som da sua guitarra até aqueles momentos em que nos começámos a tornar pessoas com opiniões e sentimentos complexos. É sobre esses  sentimentos complexos que a voz e a guitarra de Sallim se debruçam. O amor, a tristeza do amor não correspondido, ou a alegria de amar e ter amigos.
As letras simples no sentimento que descrevem, adquirem complexidade nas tonalidades da voz de Sallim suave, por vezes enamorada. Uma música para apenas sentir porque como a própria diz “ namorar é bom remédio para quem não quer pensar”.  Agreste ou um pouco angustiada, coisas naturais de quem ainda cresce, mas sem perder a compustura quando nos relata as mágoas, mágoas doces que nos transportam a esse momento simples e livre do primeiro amor com uma limpidez quase subversiva.

Com a casa já um pouco mais composta, os TAU entraram em palco por volta das 23,30,descalços e acendendo incensos como que a anunciar a verdade xamânica e hipnótica que a sua música nos traria na próxima hora.
As histórias que as suas músicas contam provêem dos desertos, esses sitios inóspitos que têm o poder de no meio do nada nos devolver às nossas formas mais primitivas e nos remeter para a nossa  mais ancestral espiritualidade, como em Mother, single do último albúm, lançado em Outubro de 2016, TAU TAU TAU, mais vibrante que no concerto a que havíamos assistido há alguns meses. Através da sua música levaram-nos ao deserto à descoberta de nós próprios com Espiral Venadito, e exultaram-nos a escolher entre o Eros e o Logos, o coração ou a razão.

Dessa dualidade partem para Midnight Jaguar onde a guitarra de  Mulrooney estilhaça toda a acalmia que havia sido construida até ali e seguem até Huey Tonatzin do primeiro Ep, “Wirikuta” o deserto sagrado da Wixarika. Terá sido a peregrinação de Nunutzi por Wirikuta que o levou tempos depois a encetar a colaboração com  Mulrooney originando assim os TAU.
É verdade que não foi um concerto surpreendente, mas não por que a banda não o queira fazer, eles fazem-no de facto, mas o escasso público no local não consegue entrar no mesmo ritmo ou encetar a mesma ligação aos elementos que os TAU emanam.
Surpreendente parece ser a falta de atenção que o público em geral tem dado a esta banda que tanto tem para oferecer e que se dedica a isso quase como se de uma missão se tratasse.
Gerald Pasqualin e Shaun Mulrooney lançaram no dia seguinte ao deste concerto mais uma peça na sua enigmática discografia que vale a pena descobrir, quanto mais não seja para perceber em que ponto da viagem nos encontrámos com este duo que contém nele elementos musicais provenientes do norte e centro do continente americano com uma forte persistência nos cantos xamânicos, assim como algumas remeniscências do médio oriente.

The Underground Youth


White Hills, mitologia pós apocalíptica

Os White Hills estiveram em Portugal. Ego Sensation e Dave W estiveram em Lisboa. No Sabotage Club. No passado domingo ofereceram um concerto irrepreensível para uma casa a pouco mais de meio gás.

É verdade que isso não diminui em nada o seu trabalho. Tocaram para uma casa a meio gás como se estivessem num estádio cheio e com a garra característica da sua sonoridade encheram e preencheram todos os espaços livres do clube do Cais do Sodré e os presentes corresponderam à entrega da banda.
Fizeram estremecer paredes e corpos.
Actualmente em tour para promover o seu mais recente registo, Stop Mute Defeat editado há pouco mais de um mês, abriram as hostilidades pouco passava das 23 horas com uma faixa que neste momento ainda é difícil de encontrar, mas que caracteriza o momento pelo qual esta dupla criativa passa actualmente. VI X, lado B de Pulse, lançado ontem, 28 de Junho, é uma declaração inequívoca, quase uma denúncia de tudo o que de errado se passa actualmente, ou o seu somatório. “VI-X“, é o termo científico usado para se referir à sexta maior extinção na Terra, sendo esse o momento que actualmente vivemos. Ego Sensation trouxe consigo a névoa toda do mundo e fez questão de nos envolver nela ao longo de todo o concerto pisando com uma convicção fabulosa o pequeno pedal que a libertava e nos envolvia rapidamente a todos. We are what we Are, we are what you see, assim cantam em uníssono sobre o poderoso som que produzem,a abrir caminho às novas músicas e mostrando-se arautos de um psicadelismo que volta a pisar terrenos contestatários e controversos.

A postura combativa e desafiadora, o sorriso ora cerrado ora provocador de Ego Sensation e Dave não engana e acompanhados por um baterista ainda mais temíveis se tornam, como se de um só grito derrubassem meia cidade. Têm algo mais a dizer que aquilo que estamos na realidade a ouvir. Irão dizê-lo em Attack Mode, através dos ritmos compassados e dos quais é impossível distanciar a voz de comando de ambos. Regressam um pouco atrás e oferecem-nos Hand in Hand de H-p1 de 2011, carregando com intensidade no efeito quase ensurdecedor que nos remete para um psicadelismo industrial e negro. Pesado, de tal forma pesado como se quase ficássemos presos ao chão, num prelúdio que nos levaria novamente a 2017 com Entertainer, Overlord e Trick of the Mind num piscar de olho a um certo pós punk. Apesar de não terem a casa cheia que o seu trabalho merece, é um facto que souberam levar este contratempo com um glamour que poucos têm e presentearam o público com um pequeno encore que nos deixou um zumbido que se prolongará por toda a semana. Controversos, perturbadores da ordem, instigadores da revolução, a música dos White Hills ultrapassou-se a si própria, inserindo a banda num nicho tão à parte mas ao mesmo tempo tão mundano.
As noites de domingo tem o infeliz hábito de ser ingratas para as bandas. Neste caso a noite terá sido especialmente ingrata para quem faltou a este encontro.

Black Bombaim, B from Titans


Electric Moon, o som da poeira cósmica à qual todos pertencemos


O  novo álbum do trio alemão Electric Moon já viu a luz do dia há algum tempo. Na verdade não foi assim há tanto tempo como isso. Mas a velocidade a que a informação nos chega actualmente faz com que na realidade pareça que ao se falar de um disco que saiu há cerca de 4 meses, se esteja a falar fora de tempo do mesmo. No entanto isso é muito pouco importante no caso dos Electric Moon e especificamente no caso deste registo. Stardust Rituals é um disco fora do próprio tempo por isso este parênteses era desnecessário, mas achámos que deveríamos de corrigir o nosso próprio preconceito em relação a estas coisas dos timings…

Desta vez, como das outras vezes, podemos falar de um álbum complexo mas aqui podemos vê-lo também como algo mais completo que o agrupamento de algumas músicas que compõe um álbum.  Os Electric Moon contam-nos na sua página que este é o seu quinto álbum de estúdio no entanto basta entrar na pagina de bandcamp da banda para perceber que a matemática do trio alemão, tal como a sua música são um mundo à parte.
Sobre Stardust Rituals creio que os Electric Moon alcançaram um novo nível de consciência na sua música ( novamente ) e produziram uma magnifica reflexão sobre o caminho que talharam noutros registos.
The Loop com o seu inicio melancólico incorporando a voz de Komet Lulu que a  pouco e pouco se funde com os sons da guitarra e dos sintetizadores para no final quase apoteótico da primeira faixa já reconhecermos muito mais os Electric Moon e os seus devaneios cósmicos.
Em Stardust Ritual, faixa que dá nome ao álbum e que segundo Sula Bassana já existe desde 2014 (podem ouvir no bandcamp da banda umas das primeiras versão desta espantosa faixa de 11 minutos) onde nos trazem uma sonoridade mais redonda e suja, mais perto do que nos habituámos a receber dos Electric Moon, mas agora com a voz de nómada feiticeira de Lulu que nos remete à poeira cósmica da qual todos fazemos parte. Desse ponto no desconhecido cosmos levam-nos à boleia de Astral Hitch Hike onde a cítara inicial e os sintetizadores nos conduzem realmente à essência mais leve e requintada do trio alemão, com a suavidade da bateria a marcar um ritmo quase fora de tempo, existindo apenas o suficiente para nos manter deste lado da consciência, para que o trio possa temperar toda a música o suficiente para nos preparar para a última faixa (You Will) Live Forever Now. É realmente o som da eternidade que os Electric Moon nos oferecem, uma sonoridade que nos faz sentir senhores do universo mas ao mesmo tempo nos remete para a  nossa finitude.
Um disco a não perder e para os que não aprofundaram ainda, uma banda a não perder de vista.

Blaze & The Stars, doze músicas para a redenção dos poetas


 Os Blaze & The Stars apresentaram na passada quinta-feira à noite, no Popular Alvalade, o seu mais recente registo o EP Terribo la Terribline lançado em Fevereiro deste ano.
Acompanhados de Alek Rein, Flak e António Ramos construíram um concerto bem delineado oferecendo aos presentes uma agradável surpresa que se apoderou de nós e nos deu a entender que muito embora estes rapazes transportem consigo já a maturidade, através dessa mesma maturidade produzem algo fresco e inusitado.

Munidos de um som quente como o blues mas ao mesmo tempo ácido como algum psicadelismo, ou por vezes perto de uma certa toada pós punk trouxeram até ao Popular um espetáculo narrativo deveras singular.
O arranque com Blues on the Box, primeira faixa do EP que apresentam, para nos ensinar o caminho, e criar um ambiente para logo de seguida nos lançarem Pull my Daisy e assim a mostrar duas faixas carregadas de uma panóplia de sentimentos, misturando a intemporalidade de um quase spoken word onde imperativamente clamam “Play your guittar boy”, em oposição a “Pull my Daisy” que nos inicia na acidez deste blues salpicado gentilmente pelo saxofone de António Santos que graciosamente e eleva a sonoridade construída dos Blaze & the Stars, emprestando-lhe uma sensualidade muito própria e um corpo sonoro mais preenchido, quase palpável. Daí levam-nos até a uma desconstrução de Portland Town do músico folk Derrol Adams à qual deram uma roupagem mais estridente e ácida.

Bali’hai e El desierto de los Ninos com a aplaudida participação de Alek Rein resulta como se estivéssemos perante a banda sonora de uma cavalgada pelos desertos ilustrada pelos elementos em palco, Fernando Ramalho e João Zagalo,Flack e Alek Rein alinhados como que a desafiar quem deles possa duvidar. Por vezes o baixo de Gonçalo Zagalo impõe o ritmo, outras vezes é Rui Lucena que o faz. Nada é estanque e os papéis vão se trocando à medida do que pretendem apresentar. 
Não existem dúvidas. O ecletismo da banda transcende a barreira da linguagem, pois na verdade conseguem transportar-nos a alguns universos sonoros que nos são de certa forma familiares ou que nos remetem para alguns lugares das nossas vivências. Em inglês, francês, ou espanhol constroem nos seus concertos uma musicalidade que contém resquícios de manifesto, interpretando poemas de Langston Hughes, Henri Michaux, Allen Ginsberg, Jack Kerouac, Neal Cassady,  James Joyce, entre outros. Do princípio ao fim conduziram-nos pelos meandros poéticos que os cativam e cativaram-nos com as suas interpretações, prendendo a atenção dos que tiveram o privilégio de assistir.

Quase a finalizar “Blues For Sister Sally” do poema de Lenore Kandel, que nos traz essa vontade de querer algo mais que fazer músicas orelhudas, mas sim fazer músicas que mexem com os nossos vários sentidos e que permanecem a ecoar em nós até fazerem sentido… “god is a junkie and he has sold salvation for a week’s supply” gritou-nos Fernando Ramalho. O eco permanence. 

Podem ver a reportagem completa no Música em DX com fotografia da Ana Pereira!Podem ver a reportagem completa no Música em Dx com fotografia da Ana Pereira!