Na passada sexta-feira teve inicio a quarta edição do Reverence,
festival acarinhado pelos fãs da música menos mainstream e
habitualmente com uma forte tónica de psicadelismos, doom e stoner. A
quarta edição do Reverence prometia trazer novidades. Trouxe novidades,
mas sobretudo alterações. A mais notória de todas, ainda mesmo antes do
início terá sido a alteração da localização do festival, que nas suas
três primeiras edições se realizou no Parque de Merendas de Valada,
transferindo-se este ano para aquela que, segundo refere a organização,
havia sido a primeira localização pensada para o mesmo; o Parque da Ribeira de Santarém.
Outra das
alterações que se deu foi a redução do número de palcos e actuações, que
iria permitir, à partida, um visionamento mais relaxado dos concertos
sem ser necessária a preocupação de anos anteriores em que simples
deslizes e distrações faziam com que perdêssemos alguns concertos.
O ano de
2017 trouxe também a colaboração da Fuzz Club, que comemorou o seu
quinto aniversário, trazendo várias bandas da sua chancela para
comemorar em Santarém.
Mas o que
encontrámos ao chegar na sexta-feira a Santarém foi bastante diferente
do cenário que havia sido amplamente falado durante o verão. As
condições do recinto em nada são comparáveis às dos anos anteriores no
Parque de Merendas de Valada. A inexistência de sombra junto ao palco
principal, a inexistência de vegetação ou quaisquer outros elementos que
fechassem um pouco o espaço aberto, num plano mais elevado que o resto
do recinto faziam com que o local se tornasse inóspito e com o decorrer
dos concerto e a diminuição da temperatura durante a madrugada se
tornasse deveras hostil mesmo para os mais habituados a estas andanças.
Por outro lado o palco secundário que se misturava um pouco com a zona
de refeições, apesar de estar mais abrigado por ter árvores à frente,
era um palco descoberto, de costas para o rio, o que também não terá
ajudado de forma nenhuma em algumas actuações.
A zona de
refeições composta por uma oferta com qualidade, mas pouco diversificada
e onde apenas existiam três mesas e nem uma dezena de cadeiras, apenas
terá conseguido responder à procura, porque a afluência não foi muita,
mas ainda assim sem qualquer conforto para quem a utilizou.
As condições
do parque de campismo são comparáveis a um qualquer acampamento
espontâneo junto a uma praia fluvial, sem água disponível, duches, ou
mesmo qualquer área delimitada, ou até mesmo segurança.
A
proximidade de uma estação de comboios, era algo que poderia à partida
ser uma mais-valia, mas viria a demonstrar-se apenas mais um contratempo
no meio do cenário um pouco perdido em que nos encontrávamos, pois de
tempos a tempos os concertos eram interrompidos pelo som da campainha
que anunciava a passagem de mais um comboio.
Mas tudo isso poderia ser superado se de facto os concertos viessem a corresponder às expectativas.
Quando
chegámos ao recinto o mesmo ainda se encontrava um pouco despido,
demasiado despovoado, mesmo para uma sexta-feira à tarde. Na verdade o
recinto, mais aberto e com menos árvores em volta dos palcos
proporcionava de imediato essa mesma sensação. O palco secundário,
encontrava-se a uma distância pouco razoável, por ser demasiado próximo e
não haver qualquer barreira natural ou artificial que os separasse,
pelo que aguardámos para perceber de que forma iria decorrer o
funcionamento do mesmo.
Fomos ao encontro dos Desert Mountain Tribe,
que começavam nesse momento a sua actuação. Trouxeram um set
descomprometido que abarcou a curta carreira da banda. Passaram por
Hitzefrei, ou Coming Down e Take a Ride com algum entusiasmo. No entanto
e apesar da vontade com que se entregaram foi difícil aquecer realmente
o público que ainda era bastante reduzido.
Quase imediatamente de seguida pudemos assistir à performance da one man band Tren Go! Sound System,
projecto de Pedro Pestana, guitarrista dos 10000 Russos, banda à qual
cabe nesta primeira noite o encerramento. Pedro Pestana, só em palco,
envolveu-nos em mil efeitos que produz com uma guitarra, como se
percorrêssemos toda uma galáxia enquanto ele segura um cigarro na boca e
manipula o som e a atenção do público.
A esta
altura fazia-se já sentir uma temperatura bastante mais baixa que
durante a tarde e o vento, bastante frio e por vezes intenso e a
prometer não dar tréguas, dificultava bastante os testes de som e mesmo
as performances em ambos os palcos.
Às 20.50 deveria ter tido inicio o concerto dos belgas Oathbreaker,
no entanto o mesmo acabou por começar apenas depois de uma luta
inglória da vocalista Caro Tanghe para se fazer ouvir, num teste de som
que durou cerca de vinte minutos. O público persistiu apesar da
prolongada espera e apesar das notórias dificuldades com o som, e os
Oathbreaker em visível esforço para começar o concerto, conseguiram
agradar ao público interessado. Mas nem todo o esforço da banda
conseguiu vencer as dificuldades com o som, o vento e o frio que se
haviam instalado, e assim, uma banda que prometia bastante acabou por
nos dar apenas o essencial porque apesar do esforço não conseguiram mais
que isso.
Os Zarco, no meio de um menu um pouco
mais denso e pesado deram um concerto descontraído e descomprometido, um
momento para desanuviar. Ainda o concerto de Zarco não havia terminado e
já algumas pessoas se concentravam para ver Amenra no palco principal.
Os Amenra também já entraram em palco
fora do horário expectável. Apesar das dificuldades que eram notórias
com o som de ambos os palcos, neste concerto essa dificuldade não se fez
sentir de forma tão aguda. Os Amenra conseguiram fazer passar para a
massa humana que a esta altura havia aumentado ligeiramente quase toda a
densidade através da sua música, mas também com as fantásticas
projeções que os acompanhavam, ampliando todo o ambiente negro e denso, e
talvez pela primeira vez nessa noite sentimos que estaríamos num
festival.
A noite avançava e no regresso ao palco secundário encontramos os Wildnorthe
com a sua sonoridade mais perto do gótico e do pós-punk que parecia
realmente preparar-nos para o resto da primeira noite. A banda cumpriu a
sua parte, dando a conhecer a sua sonoridade e cativou o público que
foi chegando aos poucos mais perto de palco para os ver e ouvir.
Os Moonspell sofreram também com a
intempérie, e acabariam por entrar em palco perto da meia-noite, depois
de um também longo período de testes de som. Sabíamos de antemão que o
concerto abarcava os dois álbuns icónicos da banda, Wolfheart e
Irreligious, o que significaria um concerto com não menos de 90 minutos
de duração. A banda proporcionou um espetáculo que conseguiu aquecer
parte da plateia, mas é importante salientar que um concerto com a
duração de duas horas no meio de mais 20 concertos pode tornar-se
excessivo e foi exactamente o que aqui se verificou. Fernando Ribeiro
clamou pelo público a cada música o que acabou por tornar tudo um pouco
mais pesado e mesmo forçado, originando uma quebra de ritmo. Muito
embora se compreenda que foi este o compromisso da banda desde o inicio,
o longo espetáculo, com direito a pirotecnia em palco, acabou por levar
boa parte do público a abandonar o recinto, pelo cansaço, pelo frio,
pelas condições que não pareciam favoráveis a nada mais que mantas e
sofá, ou neste caso a tendas e sacos cama.
Voltando ao palco secundário, este pareceu pequeno para o poder sonoro dos Névoa,
e a durante boa parte do concerto o som dos Névoa atingiu pontos de
distorção quase incompreensíveis, mas arrancaram do público que
permanecia firme nas suas convicções um forte aplauso.
A surpresa da noite chegaria perto das 03.00 com os japoneses Bo Ningen
e a sua energia contagiante e electrizante. A banda prima pela forma
inusitada com que se apresenta. Não é apenas o aspecto andrógino de
Taigen Kawabe, vocalista e guitarrista, mas os movimentos e as
expressões com que confronta o público. Mantiveram-nos presos ao palco
até ao fim, a dançar como ainda não se havia dançado nessa noite. Foi o
mais perto que estivemos de uma festa, de uma celebração cheia de
energia. Apesar de estarem a entrar em palco já com cerca de hora e meia
de atraso, é certo que todos os que por lá ficaram avançaram pela noite
com uma satisfação diferente depois de assistir a este concerto.
Depois do concerto mais electrizante da noite coube aos portugueses Melancholic Youth Of Jesus a performance seguinte e aqui a noite já ia bastante longa.
Perto das 4.00h, hora a que se deveria ter iniciado o concerto de 10 000 Russos, ainda não haviam actuado os Sinistro e os Two Pirates and a Dead Ship.
Assim, e apesar da promessa de um nascer de dia ao som de 10000 Russos
parecer sempre óptima, ou mesmo de um fim de noite na companhia dos
Sinistro, acabámos por dar como encerrada essa noite estranha em que não
conseguimos realmente sentir a pulsação do Reverence. Sábado seria um
novo dia.
Texto - Isabel Maria
https://www.musicaemdx.pt/2017/09/15/reverence-santarem17-dia-8-salvos-pela-energia-desconcertante-de-bo-ningen/
Sem comentários:
Enviar um comentário