Songs To Nowhere#109#Trendkill Radio#6.09.2021

Reverence, onde o tempo não existe

Uma das coisas que mais marca no Reverence é o tempo. É uma das marcas do Reverence, a impossibilidade de ver tudo, pois o cartaz é extenso, sobrepõe-se e a qualidade é um requisito obrigatório que é sempre cumprido. Sempre tanta coisa a acontecer ao mesmo tempo, que desde o primeiro momento em que soubemos que o Reverence ia acontecer, alguns de nós houve que estudaram o seu itinerário, de  forma a ver o máximo de bandas possível que quisesse ver. Também houve várias coisas que dispensámos ver em detrimento de outras que já tínhamos visto. Escolhemos sempre de uma forma mais ou menos rigorosa o caminho. Mas desviámo-nos muitas vezes dele. Houve concertos que cansaram, outros que deixámos de ver porque estávamos a apreciar o momento que vivíamos. Outros houve em que a biologia mandou um pouco mais do que desejaríamos.
Mas o Reverence é isso mesmo. Deixarmo-nos submergir, afundar num turbilhão de som. 

A primeira vez que soubemos alguma coisa do Reverence foi no inicio de fevereiro de 2014. Uma publicação on-line anunciava a vinda dos Hawkwind e dos Psychic Tv. Falavam de um festival de que nunca tínhamos ouvido falar, numa localização que nos lembrava qualquer coisa mas que não conseguíamos identificar. Num momento em que ainda nem sabíamos bem a dimensão que o festival iria tomar.



De Fevereiro a Setembro o cartaz cresceu exponencialmente. Sendo que um dos momentos altos terá sido no geral a confirmação dos Black Angels quando Christian Bland & The Revelators já estavam confirmados quase desde o inicio.
Foi pela mão e graças a Nick Alport, um inglês que divide o seu tempo e a sua vida entre a vila do Cartaxo e Londres, que pudemos assistir a  concertos tão memoráveis como; Red Fang, Graveyard, Electric Wizard, Naam, The Cosmic Dead, Mugstar, Christian Bland & The Revelators, A Place to Bury Strangers, Psychic TV, Hawkwind, The Black Angels ou Moon Duo.



A lista é muito grande, não mencionámos nem metade das bandas que estiveram na primeira edição do Reverence. Muitas das quais desconhecidas da maioria no momento em que compraram bilhete. Muitas das quais descobertas apenas no palco, por muitos que acabaram por assistir a muitos concertos de forma acidental.
Ao longo dos três anos que aconteceu em Valada, o Reverence teve sempre alterações. Alterações de palcos, que mudaram de posição, ou a entrada que também mudou. Alterações de horários; No primeiro ano os primeiros concertos começavam ainda antes das 13 horas e as últimas bandas subiam ao palco às 05h00, na verdade os Cosmic Dead que eram a última banda da primeira noite do Reverence acabaram por subir ao palco perto das 06:00 e deram um dos concertos mais marcantes dessa edição. Não é todos os dias que se amanhece a ver um concerto.
No segundo ano a entrada fazia-se pela mesma zona mas o palco foi montado ao contrário, ou seja já não víamos o palco directamente da entrada. Também nesse ano o palco principal deixou de estar a funcionar de forma exclusiva e passou a funcionar em simultâneo com um dos palcos secundários, levando a opções extremas como ver o ou não o final de alguns concertos, porque do outro lado estava a começar outro concerto que ansiávamos igualmente! 



No terceiro ano o palco principal no recinto do campo de futebol deixou de existir, passando a existir dois palcos de dimensões semelhantes e um palco mais pequeno num dos cantos onde nos primeiros dois anos se situava a zona de restauração, palco esse que albergou quase todas as bandas portuguesas e os Dj’s de serviço.
Na edição de 2017, as noticias do Reverence chegaram um pouco mais tarde e o cartaz apesar de mais reduzido, comparativamente com o cartaz do primeiro ano que trouxe cerca de 70 actuações entre bandas e Dj’s, avança numa direcção diferente.
Através de uma estreita colaboração com a editora inglesa Fuzz Club, que aqui virá comemorar o seu quinto aniversário poderemos ver The Janitors, Dead Rabits, Trown Down Bones, Underground Youth e 10000 Russos, entre outros.



O Sabotage Club volta a ter um palco com o seu nome. E o recinto ficará agora mais acessível aqueles que desejem vir de comboio.
Teremos o privilégio de ver os japoneses Mono com o seu pós-rock que parece ter sido feito numa dimensão diferente da nossa, assim como os belgas Amenra. Os Oathbreaker, que tem elementos em comum com os Amenra também vão estar presentes.
Poderemos desfrutar dos veteranos Träd, Gräs & Stenar que andam por aí a espalhar a magia do prog desde o final dos anos 60, outra daquelas oportunidades que não se querem, nem podem perder.



A graciosidade dolorosa e dura de Esben and the Witch irá decerto cativar muito público, ou a velocidade mais quente e contagiosa de Bo Ningen fará decerto muita gente pular!
Os britânicos The Underground Youth irão decerto fazer as delicias de todos os apreciadores das sonoridades mais próximas do pós punk, um pouco também como os 10 000 Russos, ou mesmo Tren Go! Sound System, todos eles misturados numa génese de psicadelismo e pós punk em medidas diferentes, mas sublimes em todas as suas formas.
Logo na sexta feira poderemos anoitecer ao som dos Desert Montain Tribe e mergulhar com o seu psicadelismo na noite. Nessa mesma noite teremos os Moonspell num concerto também ele em jeito de comemoração especial, pois o mesmo irá incidir sobre os dois primeiros registos da banda, Wolfheart e Irreligious.



O fim  de tarde de sábado trará a sonoridade enraizada no heavy psy dos 70’s dos suecos Siena Root, os portugueses Sinistro e a sua espectacularidade cénica que nos deixa pregados ao chão ou os Löbo que nos irão decerto esmagar com toda a sua força.
No sábado, os ingleses Gang of Four e os misteriosos Hills. Na madrugada poderemos assistir ao encontro entre dois músicos singulares; Dr. Space, membro dos Oresund Space Collective, e Luis Simões, peça central dos Saturnia.
Não poderemos perder o concerto especial  que os Asimov numa parceria inusitada com os Hidden Circus nos vão trazer.



Há muito mais para ver.
O Reverence desde o inicio tem sido um festival de descoberta. É um festival para ir de mente aberta, e não é preciso esforço algum porque na realidade a qualidade está lá nas escolhas feitas. Sejam elas mais perto ou um pouco mais distanciadas das edições anteriores.
Este ano o Reverence muda-se para a cidade de Santarém, mais concretamente para o local que havia sido pensado para a primeira edição, que por força das circunstâncias acabou mesmo por ir acontecer em Valada. Muitas foram as vozes que se fizeram ouvir quer quanto ao alinhamento quer quanto à mudança de localização.
Mas a verdade é que as coisas mudam, mudam porque tem de mudar, mudam para poderem continuar a existir.
Estaremos lá como estivemos nas três edições anteriores, de mente aberta, dispostos a ser submergidos na música banda após banda, até que a música acabe. Consumiremos mais música em 36 horas que em meses inteiros, sairemos de lá com a alma cheia e o corpo moído.
Durante 36 horas o tempo não existirá, durante essas 36 horas o mundo será lá fora, porque no Reverence o tempo não existe e o que conta é o agora.

Texto - Isabel Maria