A espera terminou. É sexta-feira. A temperatura subiu, o vento parou e cada vez mais gente sobe as ruas que vão dar à piscina de Moledo onde os concertos começam por volta das 13.30. O SonicBlast
está prestes a começar. Nas próximas 36 horas iremos ver 24 bandas com
uma pausa para descanso. A bilheteira encontra-se repleta de gente a
trocar bilhetes por pulseiras, numa azáfama estranhamente coordenada. O
Sonicblast voltou a esgotar. O que não era difícil de adivinhar tendo em
conta o cartaz que apresentaram para 2017.
Novamente a apostar em doses equilibradas em bandas
recentes e bandas consagradas e com um leque de estreias que nos obriga a
parar para pensar, um cartaz com espaço para várias sonoridades dentro
do espectro a que se dirige… Perguntamo-nos se teremos a habilidade de
sentir tanto de tantas formas em tão curto espaço de tempo. As zonas
envolventes encontram-se agora repletas de gente, mas não daquela forma
que não nos permite fazer nada a não ser seguir atrás uns dos outros. Ou
seja, apesar de verificarmos que o espaço tem gente continuamos a
conseguir movimentar-nos entre o palco a zona de refeição ou a
bilheteira com uma fluidez natural e mais que isso extremamente
agradável.
A abertura do palco secundário, junto à piscina, coube ao duo oriundo da Cidade do México, mas agora sediado em Berlin, Bar de Monjas,
que segundo o relato dos presentes tiveram uma prestação cheia de garra
e à altura do que deles se esperava a destilar todo o seu fuzz no pico
do calor desse dia, a fazerem-se ouvir por Moledo como se de um
chamamento se tratasse.
A primeira banda que encontrámos no palco da piscina foram os Holy Mushroom,
banda natural de Oviedo, que à medida que íamos subindo a colina em
direcção ao recinto libertava uma vibração tão apropriada quanto
perturbadora e que nos acolheu na perfeição como um convite a uma viagem
morna pelos raios solares que nos aqueciam àquela hora do dia junto à
piscina. Um concerto que apenas pecou por pequeno.
Quando os portugueses It Was the Elf
se apresentaram poucos minutos depois, já encontraram o recinto mais
preenchido e a banda teve oportunidade de injectar uma nova dose de
adrenalina na tarde com a sua sonoridade bastante mais musculada e
intensa, mostrando-se com uma garra evidente e inequívoca os It Was The
Elf trouxeram as músicas do álbum editado em 2016, tendo ainda
desvendado uma faixa nova para o público de Moledo.
Os It Was Elf deixaram o
palco com um público bastante agradado com a prestação e completamente
preparados para os refrescantes Stone Dead que vieram até à foz do Minho
apresentar o seu novo disco, Good Boys, editado este ano, num registo
mais leve e gingão do que é habitual nestas paragens. O público
agradeceu a explosão enérgica e juvenil que estes trouxeram.
Levantaram-se das toalhas e bastante gente abanava a anca a pedir mais
deste som cheio de um groove muito próprio.
Neste registo ondulatório de altos e baixos ritmos conseguia agora
entrever-se o plano que nos havia sido delineado com este alinhamento. O
cruzamento de bandas tanto num palco como no outro iria ao longo dos
dois revelar-se-ia muito bem estruturado de modo a compor o ambiente na
forma mais heterogénea possível, trazendo picos de adrenalina mais
efusivos como os Bar de Monjas, alternando com os cósmicos Holy Mushroom
para novamente nos lançar no estilo mais ofensivo dos It Was the Elf e
logo nos levar a um registo mais leve e repleto de rock n’roll dos Stone Dead.
O final da primeira tarde na piscina trouxe até nós os Black Bombaim
que nessa tarde se apresentaram com mais uma peça na sua engrenagem, o
saxofone. No seu estilo irrepreensível e característico coube-lhes o
encerramento da tarde de sol e piscina. Depois de toda a alegria
espalhada de forma contagiosa pelos Stone Dead que nos haviam libertado
das sonoridades mais intrincadas dos It Was the Elf os Black Bombaim
simplesmente entraram nos nossos pensamentos e construíram através da
sua música momentos completamente memoráveis em termos sonoros. O
saxofone acentuou uma série de nuances na música com que nos
presentearam, permitindo uma viagem serena e intensa em direcção àqueles
que pareciam ser já os últimos raios de sol do dia.
Findos os concertos na piscina o público dispersou-se
pelo espaços do festival e muitos encaminharam-se de imediato para o
palco principal. Existia alguma curiosidade com a actuação dos
israelitas The Great Machine.
Tal como havia
acontecido um par de horas atrás com os Stone Dead, que fogem
actualmente um pouco à sonoridade predominante no Sonicblast, também
aqui o público correspondeu e clamou por mais. Os The Great Machine
trouxeram um concerto cheio de garra que mantiveram habilmente do
princípio ao fim e souberam transformar a sua inesperada actuação em
algo memorável. Dominaram o palco e o público com uma atitude a roçar um
certo punk e noise, musculado e sem filtro. Exuberantes no mínimo. A
repetir sem dúvida.
Seguiram-se os The Well, obscuro trio oriundo de
Austin, também eles a fazerem a sua estreia em Portugal, e onde Lisa
comanda o ritmo através do seu baixo carregando toda a actuação de uma
sensualidade completamente inesperada. É ela que domina grande parte das
atenções do público, com a sua atitude dir-se-ia quase displicente,
através da forma autoritária com que comanda a secção rítmica da banda e
o próprio público. Os The Well souberam aproveitar bem a hora que
actuaram, e o concerto destes acompanhou a descida do sol no horizonte
de uma forma quase sincronizada. À medida que o sol desaparecia
evidenciavam-se cada vez mais as tonalidades mais pesadas e sombrias dos
The Well que foram largamente aplaudidos pela surpresa causada.
Os senhores que seguiram, os Yuri Gagarin, também
estreantes em solo português, oriundos da Suécia, entraram em palco
naquele momento em que a claridade do sol já se vislumbra apenas
reflectida na abóbada celeste. Atrás dos músicos o nome, imponente como a
sonoridade dos mesmos parecia crescer à medida que passavam pelas suas
músicas e nos transportavam numa viagem que nos levaria no cair da noite
a sentir as primeiras constelações obscurecidas pela sonoridade
espacial intrincada presente em músicas como Sea of Dust ou New Order.
Um concerto que começou um pouco desligado do público mas que terminou
no seu auge deixando uma certa sensação incompleta e algo confusa sobre o
mesmo, mas um público bastante satisfeito com o que havia vivenciado.
Cerca das 21.30 os Kikagaku Moyo entraram em palco.
Talvez porque o concerto anterior havia sido denso na sua totalidade a
música dos Kikagaku Moyo parecia-nos suave demais…e foi assim que
começaram com uma suavidade, macia e etérea que aos poucos se entranhou
em nós e nos embrenhou no seu psicadelismo sexy e nostálgico, mas
completamente positivo. O que nos trazem não é novo, mas a sua fórmula
contém uma dose de abstração maior e mais extensa que a multidão que os
recebe. Á medida que o concerto progride e a atmosfera que criaram
envolve cada vez mais o público sente-se uma espécie de euforia sincera e
desprendida a tomar conta de todo o recinto. Respirava-se em harmonia
com o universo! Sem dúvida um dos momentos de maior sintonia entre todos
os presentes, e um concerto ao qual poucos terão ficado indiferentes e
que reflete toda a atmosfera com que identificamos o SonicBlast.
A tarefa dos suecos Monolord
não seria fácil, apesar de conhecermos as capacidades da banda e de não
existirem dúvidas sobre a mesma, suceder aos Kikagaku Moyo que nos
haviam levado numa viagem serena e feliz pelo psicadelismo mais
setentista que por lá passou pareceu naquele momento complicado.
Na verdade não foi. Os
Monolord protagonizaram mais uma estreia irrepreensível, aguçando a
nossa curiosidade pelo álbum cujo lançamento está bastante próximo.
Conseguiram sem qualquer dificuldade comunicar com o publico e
introduzir música a música a sua sonoridade mais pesada e complexa até
ao final estrondoso com Empress Rising que granjeou francos aplausos
pela eximia e intrincada execução, semente de uma agressividade latente e
obscura e que aqueceu novamente a noite à qual trouxeram um fôlego nada
inesperado deixando o público grato pela entrega da banda e muita gente
com vontade de os rever.
A noite parecia recomeçar novamente. Os Elder eram uma
das estreias mais aguardadas. Com mais um guitarrista em palco criaram
todo um plano suspenso sobre as suas complexas criações. Dedicaram-se
aos álbuns mais recentes o que de certa forma arrefeceu a ligação que se
esperava bastante estreita. A verdade é que em termos de execução os
Elder são irrepreensíveis. Apesar de termos sentido um certo cansaço em
alguns momentos, fruto talvez de este ser o último concerto da actual
tourné, e também não são fáceis de digerir, mas perto da magnitude do
som que criam e reproduzem em palco todos estes apontamentos não passam
disso mesmo. A falange mais dedicada do público que os compreendeu do
princípio ao fim, e que era bastante grande, aplaudiu efusivamente cada
música porque de facto os Elder sem qualquer dificuldade cativam mesmo
através das suas mais complexas composições. Resta-nos esperar que
regressem em breve pois soube a pouco.
12 horas depois do inicio na piscina, tínhamos agora perante nós os The Cosmic Dead
que substituíram os Kadavar no cartaz deste ano. No meio de azares e
peripécias e com o público já a estranhar a demora na entrada em palco,
informaram que haviam chegado há poucos minutos e iriam tocar com
material cedido por outras bandas pois os seus instrumentos se tinham
extraviado, agradecendo a todos os que tornaram o concerto ainda assim
possível.
De repente não se sabe bem o que esperar, ou o que
esperamos de facto. Não é tarefa fácil tocar com instrumentos de outros
músicos, mesmo tratando-se de uma banda capaz de improvisos
intermináveis. Não foi aos primeiros acordes que os reconhecemos na sua
totalidade, mas a habilidade e capacidade destes músicos conseguiu
transpor um obstáculo cruel com uma graciosidade fantástica,
oferecendo-nos um concerto decerto irrepetível. Uma surpresa agridoce
decerto mas da qual souberam tirar o melhor partido sem prejuízo algum
para o público. Criaram ao longo do seu set os sonhos que muitos de nós
levariam para a tenda transportando toda a turba que ainda ali se
encontrava para um plano elevado com uma vista privilegiada sobre o
Atlântico, junto ao qual muitos foram terminar a sua noite, até que um
novo dia cheio de música comece.
Podem ver a reportagem completa no Musica em Dx com fotografia do Daniel Jesus!
Podem ver a reportagem completa no Musica em Dx com fotografia do Daniel Jesus!